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Eu acreditava que esquecer era ignorar, riscar da agenda, mudar de calçada, bloquear todo tipo de comunicação. Mas isso se chama “dar gelo”(e quem dá gelo quer revanche) que era enfim, ignorar com a razão e deixar padecer o coração. Padecer sim, pois cada esbarrão é como um terremoto dentro da gente, cada ligação que não atendemos é uma noite insone e em cada mudança de calçada fica a distância entre a raiva e a frustração...
Com o tempo fui notando que o verdadeiro esquecimento preside não no fato de excluirmos a pessoa da nossa vida e sim de deixá-la se perder das lembranças cotidianas de tal maneira que se alcance a insensibilidade presencial que ela evoca. Entendi que a gente somente esquece quando a raiva para de assolar a alma ao pensar na pessoa, quando ela já não te causa mais sofrimento e sim indiferença.
Você esqueceu quando há uma diminuição vibratória da sua alma em contato com tudo que evoca o outro e nesse tempo, vem sobre você uma sensação indefinível, uma leveza incompreensível, isso porque o esquecimento traz em si o perdão (quando se trata de um coração magoado). O passado te assola? As lembranças te aprisionam? Então, você está deixando de viver seu tempo!
Para viver [plenamente] é necessário esquecer o passado ruim e isso implica “limpar a casa” para que outros sentimentos abram espaços para o futuro, apagando com a borracha do perdão todo embaraço que "borrou” as páginas da sua vida. Machado de Assis escreve que “esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso antigo”. Portanto creio que esquecer é a morte daquilo que faz o coração se contrair de nervosismo, dor, angústia, tristeza, frustração... Esquecimento é deixar ir... É quando novas possibilidades e novos encontros já não incomodam mais e nem servem de escorras para aliviar sentimentos de frustrações...
Somente o perdão traz esquecimento, pois ele é o desapego total do sentimento de vingança (sempre queremos que o outro pague pelo sofrimento a nós incutido mesmo que não seja intencional; queremos que o outro se trumbique e a negação disso é hipocrisia). Perdão e esquecimento andam de mãos dadas, quando se separam, o primeiro morre e o segundo gera o filho chamado vingança sem causa. Perdão é ordenança divina (“perdoai e vos será perdoado”); portanto perdão é decisão de andar retamente e não sentimento (já que a alma é fraca pra isso, ela por si só não perdoa). Nesse processo de cura interior é importante lembrar-se somente do necessário e esquecer tudo mais, coisa que deixamos para a memória decidir (quem vai e quem fica...) No início desse processo, fica a sensação de que tudo é presente. Todavia, o tempo passa sem pressa e leva embora esse presente-passado. E sem percebermos o tempo vai conjugando o verbo passar, e ele passa... Passado, passou...
O tempo é um aliado que resolve quase tudo! O tempo cura feridas e as cicatrizes que ficam já não doem(elas ficam!), pois o ponteiro do relógio da vida vai girando e levando junto as agruras da alma, de forma que as lembranças se eternizam em forma de aprendizagem, saudades se tornam brandas e ternas, tristezas já não há no olhar e promessas vãs são esquecidas na vã filosofia do viver... Tudo passa a fazer parte de um lugar bem longe! E longe, tem a espessura de um perdão e quase a distância de uma lembrança que se dispõe em bagagem vivencial.
Marly Bastos