Pra quem acha impossível viver sem telefone celular ou internet, vou contar uma história bem real.
Meu pai comprou terras em um local pra lá de atrasado e passou a morar lá pra fazer benfeitorias. Era em município de Padre Bernardo, não muito longe de Brasília-DF, mas até o início dos anos 80, não havia ponte que ligasse uma parte do município a outra que era cortada pelo Rio Maranhão. Todo contato que se fazia com a parte de lá era feito através de balsa, e por isso pouca movimentação pra lá. Quando meu pai comprou as terras já havia sido construída a ponte, mas o reflexo do abandono e incivilização ainda estavam bem fortes.
Bem, quando fui passar uns dias lá, me convidaram para um baile. Achei que não devia ir pois, era uma mocinha comprometida, mas meu irmão disse que eu não correria perigo algum... Produzi-me e fui. Chegamos num local que não parecia nada. Pensa num breu! Não havia energia elétrica (na minha casa, usávamos gerador), tudo a base de lamparinas queimando azeite de mamona. O chão era de terra batida e fofa, pra mim que estava de saltos era um suplicio, pois no escuro não conseguia ver os buracos.
Quase não enxergava as pessoas, mas delas exalavam um cheiro forte, que segundo meu irmão era banha de porco pra “assentar” os cabelos. Vixe!!! Mais atrasados que a época da brilhantina. Quase ninguém tinha dentes, e os que tinham, os tinham em escassez. No ar misturava uma catinga de “pito” de rolo e cachaça. Vi adolescentes fumando, e os adultos justificavam que eram pra espantar os “borrachudos”. Passei de braços em braços à noite inteira pra dançar, um ritmo que eu nem sabia o que era. E pior que ora nos braços de um homem, ora nos braços de uma mulher, não tinha dessa não!
De manhã estava com o pé torcido, cheio de calos, com a coluna travada, empoeirada até as pestanas, meio tonta de tanto bafo de cachaça e fumo de rolo. E com fome, pois não tinha nada pra comer e água pra beber era o seguinte : num pote enorme, todo mundo enfiava o mesmo copo, tirava a água e bebia. Haja baba!! E pra deixar a água sempre friazinha, colocam uma perereca dentro do pote (fiquei pensando, ela presa ali dentro, devia fazer xixi e cocô na água). Passei sede a noite toda! E avisei, se alguém me chamasse de novo pra um baile desses, eu picaria em fatias finas!
Sabonete era coisa que não existia nem no vocabulário deles. Uma das moradoras das redondezas, teve pouso na minha casa e comentou que nunca havia tomando banho com “sabão de cheiro” e nem dormido em cama tão macia. O café que faziam, era feito com caldo de cana batida e espremida... Simplesmente horrível e trabalhoso.
Ah! O uso de uma perereca no pote era geral, então se não quisesse beber água mijada e defecada por “cassota”(assim eles a chamavam) melhor passar sede, ou levar sua garrafinha de água por onde fosse.
As roupas masculinas eram confeccionadas com tecidos feitos no tear. Tear sim! Pegavam o algodão no pé, cardavam, fiavam e tramavam. Imaginem a delicadeza das calcinhas e ceroulas... Interessante que pra cada tipo de confecção a trama tinha a sua espessura exata: Lençol, toalhas, coberta, camisas, calças, peças íntimas...
O arroz era descascado no pilão, tal qual o milho para a canjica. Farinhas eram feitas em todos os lugares (isso eu sei fazer e adorava) e o polvilho, acredite ou não, ele não é criado no saquinho já prontinho! É um trabalhão que nem imagina.
Água encanada ou mesmo cisternas nem pensar! Buscavam água nos córregos e rios em uma lata equilibrada na cabeça, e de lá direto pro pote (a perereca já devia estar lá dentro... Mas o que será que ela comia?? Acho que morria de fome, já que ninguém vive só de água. Água com defunto de perereca! Aff... Esse costume me traumatizou...). Privada?? Pra quê? Tem tantas moitas de bananeiras por aí, vai atrás de uma. E você ia, e acabava pisando nos dejetos de um mais adiantado. Papel higiênico?? Que isso? Ah, sei use sabugo, dois são suficientes...(risos, com sua licença).
Bem, meu texto está ficando muito extenso e temo cansar-te, por isso o encerro por aqui, mas ainda tenho que contar a história do velho Franco que foi comido por uma onça, e a do menino Xonda que era pra lá de estranho. O fato meus caros leitores e leitoras, é que existe vida além da era digital e porque não dizer analógica...
Marly Bastos