Fico pensando: “Meu Deus, eu sou uma sobrevivente da minha infância! Se tivesse nascido nesses tempos atuais e meus mais me criassem como fui criada, eu acho que não tinha passado de um esperma perdido (na camisinha).”
Hoje na escola teve uma discussão cerrada, pois os sabonetes “Pompom” estavam por 32 dias para a validade vencer, e houve reunião de quem cuida das crianças de 1 a 4 anos, para saberem o que fariam com os sabonetes, pois temiam causar irritações na pele dos meninos... Fiquei pensando, 32 dias pra vencer os sabonetes e estão nesse entojo. Eu nem sabia que sabonete vencia!
Enquanto discutiam, eu comecei a recordar fatos da minha infância...
Eu tomava banho com “sabão de bola”, aquele feito com soda caustica e gordura. Diz-se de bola, por que é enrolado com as mãos fazendo uma bola mesmo. Nunca tive alergia, nem irritação e a gente usava enquanto tivesse, quando estava acabando minha mãe fazia mais.
O vermífugo meu e dos meus irmãos era creolina com leite. Meu pai pingava creolina no copo e espremia as tetas da vaca tirando um leite espumoso. Seria gostoso, se tirasse as gotas da creolina. Eu lembro que arrotava “privada de rodoviária” a manhã toda. Minha mãe, ainda fazia chá de chifre queimado pra extirpar com mais segurança os bichinhos da barriga. Tomei tanto chá de corno sapecado, que hoje se ouço falar nisso fujo como o diabo da cruz. E uma vez por semana ainda tinha que tomar óleo de Rícino para dar um purgante. Coitadinhas das lombrigas, mal chegavam à adolescência e já morriam. Era marcação cerrada!
E os piolhos? Minha mãe quando via a coceira que a gente de repente arranjava na cabeça, enchia uma bomba (aquelas de lata que fazia fuc- fuc) de "Mafú ou Detefon" (alguém lembra do cheiro?) e esborrifava na nossa cabeça. E ainda mandava ficar no sol pra matar mais depressa os piolhos. Eu confesso que ficava tonta, meio enjoada, mas sobrevivi. Claro, estou aqui né? Linda, corada e cheia de graça...
Nunca tive cáries quando criança! E pensam que eu gostava de escovar os dentes? Ficava mais de hora escondida debaixo da cantoneira do filtro de água, por preguiça de fazer a higiene bucal. Minhas pernas formigavam e quando saia do esconderijo, ainda era obrigada por minha mãe e escovar os dentes e pentear os cabelos (piolhentos).
Tomava água direto da bica e minas, andava descalço, comia resina de árvores (que não tinha gosto de nada, mas com certeza era rica em bactérias e micróbios), brincava com ninhadas de ratinhos fofinhos e cor de rosa (não duravam muito e claro era escondido dos meus pais), fazia coleção de lagartas de várias cores, e a gente comia o que achava na frente (se fosse veneno, no máximo tínhamos vomitação, ou seja, colocava tudo pra fora e ficava bem).
Brincávamos de Tarzan, passando de uma margem a outra do rio agarrados num cipó, quanto mais fundo fosse o local, mais emocionante (detalhe, ninguém sabia nadar... Eu ainda só nado “cachorrinho”). Como é que ninguém morreu afogado, meu Deus?
Bem, a reunião acabou, anotei na Ata que os sabonetes serão recolhidos da creche, por causa da validade “quase” vencida, onde a equipe chegou a conclusão de que as crianças correm riscos de terem irritações se continuarem a usá-los.
Acho que essas frágeis crianças deviam tomar a famosa Emulsão Scotch! Aquela mesmo: Com aquele rótulo do homem com o peixe nas costas e logo abaixo dizendo: Óleo de fígado de bacalhau. Vale à pena tentar, pois eu tomei aquilo todos os dias da minha infância (e não podia vomitar, senão tomava de novo), e estou quase na terceira idade e com uma saúde de ferro!
Enfim, não sei como sobrevivi nesse velho mundo louco (pode ter sido a Emulsão Scotch), e com certeza, os olhos de Deus que não desgrudavam de mim.
Marly Bastos