Davi nasceu em 1936, no interior de Goiás, era o terceiro filho de uma prole de cinco e trabalhava com o pai no engenho. Tudo era feito pelo pai, por ele e os irmãos. Cortavam a cana, moíam-na extraindo o caldo, faziam o melado, rapadura e açúcar mascavo.
Era uma vida dura aquela, e Davi só teve os pés apresentados para um par de botinas aos 17 anos de idade. Antes era pezão no chão durante a lida e à noite usava alpargatas de couro de vaca (que ainda hoje eles chamam de “precatas”... O vocábulo passado de boca em boca dá nesse desvio). Dormiam em catre (cama onde o estrado é feito de tiras de couro) e colchão de palha, tomavam banho no córrego com sabão de bola espetado numa vara, que já ficava por lá para todos se ensaboarem com ele.
A vida apesar de labutosa, tinha também as suas horas de folga e Davi que era carne e unha com a irmã Rode, aproveitava cada minuto de folguinha para aprontar as maiores traquinagens que as cabeças deles permitiam.
Fim de tarde, Davi e Rode sem nada pra fazer resolveram contemplar o por de sol sentados na cerca do chiqueiro. Tudo lindo, sol de puro ouro, um infinito azul turquesa e a alma deles foi ficando rica... Até que avistaram uma porca que havia parido 12 leitões, fofinhos, róseos e... Bem tinha quatro leitões que estavam magrinhos, deixando a vara lactante feia e desigual.
Vendo aquilo Davi disse:
- Rode, você está vendo como esses quatro leitões estão enfeiurando o resto da “ninhada”?... Temos que dar um jeito nisso...
-Concordo Davi, vamos fazer o que é preciso... Eu pego eles e entrego pra você fazer o "serviço" tá bom?
E assim fizeram. Ela pegava o leitão, entregava pra ele, que batia a cabeça do “raquítico” num toco e jogava no córrego atrás do chiqueiro. Serviço pronto, voltaram satisfeitos pra casa, tinham livrado a mãe porca dos " fiifei" (tradução filhos feios).
O pai deles ficou encabulado sem saber como aconteceu o sumiço dos leitões. Pensava até que a porca os havia comido. Claro, eles também não sabiam de nada... Até que um cheiro horrível começou a se espalhar por ali e o pai deles foi conferir para ver o que era, e surpreso viu os leitões mortos. Nesse dia apanharam muito... Não creio que era maldade deles para com os animais, pois ao ver deles, bicho era bicho e gente era gente. E gente comia bicho, e bicho morria para alimentar gente... Sei lá, vai entender a cabeça desses meninos de antigamente, que cresciam com um facão na mão cortando cana-de-açúcar e queimando as mãos mexendo melado em tacho de cobre até secar ao ponto de virar açúcar.
O que é uma surra pra quem tem uma alma serelepe? Nada! Uma semana depois da surra, aliás já esquecida, eles resolveram “tirar o choco das galinhas”... Quê que é isso??? Vou explicar quase cientificamente: O choco pode ser entendido como uma parada na produção de ovos para descanso do ovário. E parece que a ave entra numa menopausa temporária, pois tem até o fogacho, ficando febril e prostrada. Assim ela fica no ninho com os ovos, os esquentando e chocando. Mas às vezes, são poucos ovos para muitas galinhas febris, de forma que as trancam numa gaiola (xicaca) até que a febre passe. E por elas estarem febris um banho frio ajuda a passar essa alta temperatura.
Voltando agora para o intento deles de tirar o choco das galinhas... Pegaram todas as aves que estavam na xicaca, umas dez mais ou menos, colocaram-nas piadas e de cabeça para baixo numa vara, e rumaram para o córrego. Pegavam a galinha, mergulhavam a coitada na água e tiravam, todavia como estava se afogando ficavam com um piado estridente, e eles achavam que ainda esta muito “choca” e a enfiava de novo na água... Resultado do “tira-choco” foram mais ou menos dez galinhas mortas. Apanharam de novo...
No outro dia, resolveram fugir de casa, como provisão pegaram duas rapaduras, um cantil de água e uma muda de roupa. Arrearam um burro velho e partiram bem de madrugada. A viagem durou o tempo em que o burro estava vivo, pois de tão velho, resolveu morrer exatamente no dia da fuga. Tiveram que pedir ajuda pra voltarem pra casa. Apanharam por terem fugido (e fugiram exatamente por terem apanhado).
A vida de Davi era feita por momentos “doces” entre melados, rapaduras e açúcar. E momentos amargos quando apanhava por tentar resolver “os probleminhas” cotidianos, que eram convertidos em pura traquinagem. Ele era feliz, apanhou mas brincou também. Casou ainda muito jovem, com 21 anos e teve seis filhos, e nunca levantou a mão para bater em nenhum deles (falando por mim que era a segunda, posso dizer que desde a mais tenra idade, eu era adorável e não merecia palmadas no bumbum).
Saudades do meu pai... Já tem quatro anos que ele ganhou asas e voou para o ladinho de Deus. Todos os dias sinto saudades da sua presença, mas hoje sinto uma falta imensa do colo dele, da voz mansa, dos casos que ele contava, do jeito que dizia que eu era linda e parecia uma flor de baunilha (nunca vi uma flor de baunilha e sempre suspeitei que nem ele...).
Saudade é o amor que fica incubado bem no fundo do coração, com certeza. E de vez em quando ela fica tão latente, que dói na alma da gente!
Saudade é o amor que fica incubado bem no fundo do coração, com certeza. E de vez em quando ela fica tão latente, que dói na alma da gente!
Marly Bastos
Texto tão gostoso de ler que dá vontade de pedir mais quando chega ao fim.
ResponderExcluirE concordo sim, saudade é o amor que fica porque só amor de verdade deixa saudade boa.
Um beijo, flor.
Pois é a vida e doce mais não é mole.
ResponderExcluirMas qt malvadeza com os bichinhoss...indefesos coitados. rs
Nossa como o Davi era atentado..rsrs ( as vezes, a gente apanha por merecer, e o pior... nao aprende.rs) Adoro seus contos! Sempre me faz rir.
saudade fica de quem a gente ama, sim.
do que foi bom.
Beijos Marly!
Linda noite!
Precioso su texto, menina. Los padres nunca marchan de nuestro lado. Casualmente he escrito sobre mi madre, pues hoy sería su cumpleaños y es un día lleno de recuerdos.
ResponderExcluirBeijos de bom dia.
Que linda historia. Fico emocionada e cada vez mais e mais encantada sempre que venho aqui amiga. Vc tem o dom da escrita, de emocionar com palavras, de nos envolver com seus textos! Deus te abencoe sempre.
ResponderExcluirUma semana cheia de surpresas risonhas pra vc! ♥
Marlyzinha..
ResponderExcluirque lindo... cheia de sentmentos...
estava com saudades..bj
Apesar da saudade e da ¨tristeza¨, este texto é de uma riqueza tremenda. Você conseguiu reunir num pequeno espaço, valores, pensamentos,assuntos que estão sendo debatidos na sociedade, etc. Sem falar da riqueza de um vocabulário regional. Poderia aqui ficar falando sobre as direções que este texto nos leva, mas...
ResponderExcluirAdorei.
Um beijo grande
Coisas da vida real.... são as historias que enchem a vida da gente fazendo com se pareça um baú.... cada vida um baú recheadinho de historias. Quando vivenciarmos cada dia como uma preciosidade que não volta, dai sim, floriremos as manhas e colheremos belas flores aos anoiteceres....
ResponderExcluirLinda Benê!!!! bjs meus pra ti
Bom dia , muito obrigado pelo teu carinho e não pene que esse teu olhar também não me inspira, pois gosto muito desse jeitinho de olhar de você, tenha um belo domingo, Beijos !
ResponderExcluirOlá, Marly. Descobri vc aqui. Saudades dos seus textos! Lindo TExto. Eu também sinto muita saudade de meu pai. Ele se foi há mais de trinta anos e é como se fosse ontem.. lembro do seu sorriso, seus cabelos grisalho e seu amor por todos nós. Adorava sentar no seu colo. Bom domingo! Bjos! !
ResponderExcluirLindo isso Marly, de ler e sentir essa saudade boa que a alma guarda.
ResponderExcluirSempre gosto dos teus textos e poemas, mas hoje,além de gostar fiquei contente.
Obrigado.
Um beijão no coração.
Puntoziro
Querida Marly, linda e muito bem redigida essa sua crônica, Mas, sofri com a morte dos animaizinhos...Bom domingo!
ResponderExcluirOlá... obrigado pela visita.
ResponderExcluirEstou meio ausente, pois estou fazendo um curso que está me tomando o tempo.
bjs
bom domingo
Boa tarde, Marly. Na realidade entendo você muito bem, pois o meu pai ganhou "asas de Deus" há 19 anos, e até hoje sinto muita falta dele.
ResponderExcluirA presença é muito viva, de todos os dias vividos, e hoje lembrados com carinho.É muito bom mesmo não esquecer, pois nem tem como.Eu sei que você guardará as lembranças sempre, assim como eu.
Enfim, ele está bem, assim como creio que o meu pai também.A minha mãe se foi fez um ano em junho, e não tem porquê esquecer as coisas boas.
Quando as ruins quiserem aparecer, afate de si, pois esse tipo de lembrança sempre nos é nociva.
Um excelente domingo, fique com Deus, e ótima semana de paz e amor!
Beijinhos carinhosos!
Eitaaa que é uma delícia ler seus textos Marly!.. Dom maravilhoso esse que possui!
ResponderExcluirUm beijo em seu coração..
Verinha
Gostei de ler esse seu olhar crítico, criativo e doce sobre a vida verdadeira!
ResponderExcluirAdorei!
Minha linda e querida Marly
ResponderExcluirAi, saudade dói, pelo menos do pai da gente que se foi. O meu já se foi há 16 anos e durante vários momentos do dia , várias coisas e pessoas me fazem lembrá-lo, com muuuuuuuuuuitas saudades. Acho que todo pai deixa uma saudade igual no filho, depois que parte pra sempre!!!
"Saudades do meu pai... Já se foram ... anos que ele ganhou asas de Deus e voou para o ladinho de Deus. Todos os dias sinto saudades dele, mas hoje sinto uma falta imensa do colo dele, da voz mansa, dos casos que ele contava, do jeito que dizia que eu era linda...". Quase todas essas palavras eu ouvi diversas vezes, ah, e como era delicioso. Beijos, minha linda, que sua semana seja iluminadíssima para que vc possa nos iluminar mais ainda. Te amo!
O amor verdadeiro é eterno...beijo Lisette.
ResponderExcluirQuero participar sim da Ong Vaa do dia da criança, o que tenho de fazer??? Beijo Lisette.
ResponderExcluirQuerida meu nome é Lisette sou máe da Alessandra, ela morreu em um acidente de carro por isso existe a Ong e o blog é para ajudar as pessoas a verem que o tränsito mata todo dia e podemos fazer a diferença!!! Obrigada beijo Lisette.
ResponderExcluirMarly, existe a flor de baunilha. Ela é uma orquídea-vanilla, original do méxico, então teu pai sabia o que dizia.
ResponderExcluirAbração e uma boa semana.
Lindo texto! Bela homenagem a seu Pai.Sua sensibilidade está no auge o texto. Parabéns!Beijos!
ResponderExcluirMinha nossa, flor.
ResponderExcluirParece que vc consegue dar um nó no peito da gente com suas palavras... Vc vai fazendo com que nossos sentimentos se transformem ao longo da leitura. Que belo dom vc tem!
Um beijo enorme!
Déia Feminices
Desconversando a conversa, gostei de ler. Um abraço, Yayá.
ResponderExcluirMarly,
ResponderExcluirmuito rico o teu texto. Repleto e afortunado!
Fluente... a cada linha, eu queria ler a próxima, muito interessante, e por fim a frase:
"saudade é o amor que fica". Incrível! Inteligente! Nunca havia pensado sob esse aspecto. E às vezes da saudades, inclusive, do que ainda não vimos, do que ainda não conhecemos, mas hoje entendo, tua frase me deu lucidez, saudades do que amamos, pois isso fica em nós, mesmo que inédito e inusitado!
Quanto ao teu pai, sei exatamente sobre essas saudades. As filhas sempre sabem, não é mesmo?
Beijinhos!
Maravilhoso!
Ótima semana!!!
Marly,
ResponderExcluirQue delicia de texto.
Essa vida pura e gostosa, de experimentações ingenuas, infelizmente hoje não existe mais.
Saudade é mesmo amor, sentimento que permanece vivo, impregnado na gente.
bjo
Um texto muito doce.
ResponderExcluirQuantas histórias ouvimos aos nossos pais ?
Parece que nestes dias se aperta mais o coração com tantas saudades...
Muito interessante essa forma se vc se expressar!
ResponderExcluirJá somos dois, me Pai também partiu há 4 anos, "saudade é o amor que fica concerteza".
É o amor que fica e o gostinho bom do quero mais...beijos de boa semana pra ti querida...obrigado pelo carinho.
ResponderExcluirsaudade é definitivamente o amor que fica. mesmo para quem parte...
ResponderExcluirbeijinho encantado com um texto de um lirismo comovente!
Marly muito amada,que história comovente,enternecedora e repleta de vida,amiga!!!Senti cada trecho de sua narrativa,como se fosse em minha pele as surras do pai do Davi...e,como você soube descrever o sentimento e as agruras do menino de pé no chão e precatas domingueiras quando podia.Seu querido pai contribuiu,e muito ,prá esta sua sensibilidade à flor da pele,com esta sua vida sofrida e este amor,sem limites pelos filhos.
ResponderExcluirA saudade é,realmente,um amor que nuca morre...
Bjssssss emocionados e repletos de ternura,
Leninha
MARLY
ResponderExcluirESTOU CHEGANDO AQUI PELO PRIMEIRA VEZ. QUE HISTORIA GOSTOSA DE LE.SAUDADE JA DIZ ALGO DE BOM QUE ACONTECEU NA SUA VIDA.ESSA SAUDADE SINTO POR CAUSA DO MEU PAI. O PIOR ELE SUMIU SÓ DEUS SABE AONDE.UM ABRAÇO.
SE TIVER UM TEMPINHO ME FAÇA UMA VISITA FICAREI FELIZ,
BRISA
Linda amiga, sempre meu carinho para você.
ResponderExcluirAbraços
mas essa saudade é boa, vem carregada da emoção por ter vivido ao lado dele, por ter escutado essas histórias de traquinagens e ser flor de baunilha.
ResponderExcluirTe entendo, sinto o mesmo quando penso no meu pai é saudade a amor gigantes.
Seu texto é encantador, deliciosas memórias.
Beijos, Marly!
Marly,
ResponderExcluirA saudade fere como uma lâmina!
Gostei muito do teu texto.
Beijos!
AL
MARLY
ResponderExcluirGRATA PELA VISITA. JA ESTOU TE SEGUINDO.UM ABRAÇO
Muito Obrigado pela visita e pela simpatia :)
ResponderExcluirBela historia, que existem muitas mesmo hoje em dia ;)
Olá, Flor de Baunilha "Marly":
ResponderExcluirprimeiro quero te parabenizar pelo texto e pela riqueza com que ele está escrito. Sobretudo pela conclusão, o que te leva a falar das saudades que tens do teu pai.
Agora: quero te dizer 1.000 (Mil) vezes OBRIGADO pelas vezes que vens até ao alone e me deixas sempre uns comentários tão... bonitos!
Boa Semana, Amiga e, desculpa, de me ter utilizado -a início- das sábias palavras de teu pai mas, na verdade, é o que "apetece dizer" olhando o teu rosto!
Abração do
RUI
Que a nossa amizade seja sempre verdadeira até o fim.
ResponderExcluirQuero que saiba tenho prazer em conviver com você
essa amizade linda.
Eu sei que verdadeiros amigos são fieis e nos protegem,
quando estamos sofrendo.
Mesmo sofrendo,continuo semeando
sempre boas sementes.
Quero ser uma primavera eterna no seu coração.
Deus tem benção para você.
Bjs no coração.
Evanir
eu ainda tenho o meu, e por isso o aproveito ao máx. mas, com certeza ele esta sempre do seu ladinho... =)
ResponderExcluirOi Marly,
ResponderExcluirQue papai sapeca, hein?
Conheço esta dor e esta saudade.Meu pai também contava muitas histórias, mas de assombração(rsrsrs).
Adorei o texto. Muito gostoso de ler.
Beijos.
Lendo sua historia, me fez viajar no tempo. Como voce, tamebm sou neta e filha de pessoas simples que trabalhavam duro nos canaviais no suldoeste paulista. Tendo meu avo perdido a mao direita no engenho de cana puxado por cavalos. Nao vi o incidente, pois isso foi aconteceu quando meu pai ainda era um piazinho (moleuqe nos seus 12 a 14 anos, nem ele se lembra da idade que tinha quando isso ocorreu), mas recorod muito bem do cheiro do melado sendo feito e comer as rapaduras de amendoim e de pedacos de cascas de laranjas (a minha preferida) que meu avo fazia. Saudade e a gente poder viajar no tempo e sentir ate o cheiro do meu avo. Sua historia me fez meu olhao encher de lagrimas, mas lagrimas saudade de um passado que fui muito feliz e que meus filhos e netos jamais irao saborear, uma pena!
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