Chegou com uma trouxinha debaixo do braço e só. Chinelas havaianas velhas, roupas limpinhas e puídas, cabelos rebeldes, olhos assustados e um sorriso tímido com poucos dentes. Essa era a Francisquinha, mulher piauiense que fugiu do marido que a espancava e veio para Brasília atrás de um emprego e casa pra morar. E assim foi o nosso acordo...
Ela logo procurou o que fazer e eu pude ver que apesar de já ter meia idade, pouco sabia da vida e muito menos de trabalho doméstico. Sua lida era na roça, “puxando o cabo da enxada.” Pra início eu disse pra ela lavar as louças e dar uma organizada na cozinha e fui trabalhar. Quando voltei, ela ainda estava lavando as louças! Eu estranhei... Ela resolveu dar um “grau” nas minhas panelas que estavam “com uma crosta preta” e com uma faca raspou todo o teflon... Ficou imprestável meu jogo chique de panelas antiaderentes. E ela ficou com calos na mão o que atrapalhou o trabalho por uns dias.
Francisquinha não era fácil não! De vez em quando ela resolvia deixar tudo brilhando e num desses dias cheguei e a encontrei lavando com água de mangueira minha sala de tábua corrida. Todos os móveis molhados e esfregados com esponja grossa,e as paredes criando bolhas... Meu piso ficou inchado e fosco!
Fiz compras e claro, o meu preferido queijo gorgonzola para fazer uma lasanha com molho branco. Fim de semana era especial, pois era quando eu tinha tempo para cozinhar. Separei todos os ingredientes para fazer a gostosura, menos o queijo que eu não achei. Revirei tudo e nada. Então perguntei pra ela se tinha visto o queijo que eu havia guardado em tal compartimento e ela disse que não tinha visto nada e só jogou fora um queijo “véi fêi e todo bolorento” ... Claro, a lasanha ficou sem o toque especial do gorgonzola...
Tinha que ter sabedoria para mandá-la executar qualquer tarefa, pois ela levava ao pé da letra! Eu pedi para ela fazer uma limpeza caprichada no meu forno elétrico, no forno microondas, na batedeira de bolo e liquidificador. Ela os deixou limpinhos, limpinhos e fez toda a limpeza com sabão em pó e usou água em abundância. Encontrei meus eletrodomésticos secando ao sol... Passei mais de um mês sem ligá-los, e nem era besta né?
Eu às vezes entendia o marido dela, pois tinha que respirar fundo quando certas coisas aconteciam (tive vontade de torcer o pescoço dela em diversos momentos), mas sentia-me responsável por aquela mulher tão crua da vida. Ela disse que um dia ele deu umas tapas nela porque para não ter que lavar as barras das calças dele sujas de terra, ela as cortou no meio das canelas. Imagino como ficou... E a adverti que não fizesse isso com as minhas roupas. Ela não as cortou, mas o que manchou de roupas nem gosto de lembrar.
Ela ficou comigo por cinco(longos) anos e com o tempo aprendeu algumas coisas. Cozinhar NÃO foi uma delas! Tudo que cozinhava, empapava, desmanchava e ainda ficava boiando na água. Passar também não aprendeu, ficava tudo enjilhado ou queimado. A faxina ficava do tipo “meio boca” tudo rajado... Era isso ou tudo destruído pela água em abundância (eu caprichava na limpeza no meu dia de folga). Aí você pergunta: O que ela fazia certo então? Nada! Mas de tão atrapalhada era encantadora. Aprendeu a sorrir, a se gostar e com isso veio a vaidade: Colocou dentaduras, cortou e tingiu os cabelos(tingir os cabelos ela fazia bem)e comprava roupas “da moda”. Ficou vaidosa! Arrumou namorado que trabalhava na “Grobo de televisão” (como motorista) e foi ser feliz morando juntos.
Depois de cinco anos de labuta(mais minha do que dela)deixou minha casa. Foi chorando, mas foi! Todavia, sempre aparecia para dar o ar da graça e tomar um cafezinho, pois dizia que agora era “madames” igual eu. Mais ou menos 3 anos depois de se tornar uma mulher casada e feliz, ela teve um enfarto e morreu.
Tantos anos de lida e quando pode ser feliz, sucumbe à morte. O marido da “grobo” chorava copiosamente e dizia ser ela a melhor mulher do mundo... Dizem que todo balaio tem tampa e a Francisquinha e seu amor “grobal” parece ser o exemplo disso.
Marly Bastos
textos longos em blogs sempre dão susto, é preciso molejo pra escrever de forma cadenciada e que o ritmo deix eo leitor com vontade de continuar
ResponderExcluirentendi bem? era sua funcionaria? isso é bem mais homenagem que as novelas da globo e foi delicia ler, melhor ate que a musica do biqui cavadão para a domestica janaina
aquiles, desculpe pela extensão do texto, eu vou escrevendo e quando vejo a coisa já vai longe e mesmo enxugando aqui e ali, fica tipo assim "assustador". E nem contei que ela "pitava" e empestiava a minha casa com aquela catinga de sarro... E cuspia atrás da cama! E quando reclamei do cheiro ruim que ficava no ambiente, ia pra frente da casa, agachava com as pernas abertas e pitava com gosto. E deixava as vizinhas horrorizadas.
ExcluirOutra coisa: Quando menstruava usava paninhos que eu proibi e apresentei pra ela o absorvente higiênico e adivinha onde ela os jogava?? Isso mesmo, dentro do sanitário que entupia e tinha que chamar o encanador pra resolver o caso. KKKKKKKKKKKKKK quase outro texto, mas quem mandou você ser bocudo??
Beijokas doces
Una felice domenica per te...ciao
ResponderExcluireste post esta mais para grobo reporter herere...
ResponderExcluirmas interessante sim senhora!
Uma figura a dona Francisquinha, Marly.Tem pessoas que não são lá muito eficientes, mas são encantadoras de alguma forma e acabam ficando e fazendo parte da nossa história.
ResponderExcluirUm texto delicioso, querida.
Beijos e um lindo fim de semana.
Olá!Boa noite!
ResponderExcluirTudo bem, Lybe?
...Assumo que sou amante da simplicidade.
A simplicidade que seria sem graça (a outros olhos e nos momentos seus de "precisão dos atributos domésticos dela)), virou algo inspirador e encantador nos seus escritos...
Isso é admirável...
E que Deus a tenha!
Bom domingo!
Beijos
Olá Marly,
ResponderExcluirNossa, que texto encantador.... Hum, bem, digamos....Apesar de saber cozinhar, eu também já detonei algumas panelinhas de teflon, pronto falei! rsrsrrsrsrsr...
Mas a vida é mesmo incrível e imprevisível, pois quando a protagonista matuta tem a oportunidade de crescer como pessoa, acaba perdendo a vida.
Adorei....
Bjosss, Flávio.
* Telinha ainda de férias.
e a gente sempre se encanta pelo diferente....e talvez
ResponderExcluirseja isso que nos torna cativante...
saudade.
beijo
Gostei muito de seu texto! Abração, minha amiga
ResponderExcluirAhh néim sô! Não acredito que essa criatura existiu Marly! O que não livra tua culpa né? Deveria ter ensinado pra ela como fazer antes de soltar tua casa nas mãos dela..rsrsr O problema é que a gente sempre julga que afazeres domésticos são assim meio natos na mulher, o que é um grande erro! Pior é quando esse tipo de prejuízo vem daquelas que sabem muito bem o que estão fazendo! Gr. Bj. minha linda!
ResponderExcluirComo sempre me fizeste rir pra caramba!
ResponderExcluirOi Marly
ResponderExcluirQue legal o texto, me desculpe, mas não descobri se é ficção ou história real, pela primeira vez não é sua né? Mas é uma história muito bonita!
Bjão querida. Fique com Deus.
Oi, Marly, a tirada da panela Teflon foi demais! a do piso também (isso já aconteceu aqui em casa, quando a máquina de lavar roupas encheu e transbordou para a sala de tacos!). hahaha, Minha mãe também jogou fora uma vez um queijo gorgonzola!
ResponderExcluirEssa de manchar roupas também é clássica...
Acho que todo mundo na verdade já teve seu momento Francisquinha na vida (ou já conheceu uma). Pelo menos ela morreu feliz! UM abraço!
Olá Marly !!! Que texto delicioso ! Gostei muito da maneira encantadora como descreveu a Francisquinha, ela representa muitas pessoas que passam por este tipo de dificuldade, uma vida sofrida e sem muito conhecimento, tão simplórias mas tão especiais como disse !
ResponderExcluirUm exemplo de atitude que deveríamos ter com nosso semelhante, aceitar as limitações, ensinar, sermos tolerantes e compreensivos pois muitas vezes não tiveram escolhas na vida e nem acesso a informações :)
Um pena que muitos não tenham mesmo a oportunidade de serem felizes ou de ter uma outra vida diferente desta que levaram, mas que bom que a Francisquinha teve seus momentos de alegria, amizade e amor :)
Ótima reflexão para todos nós ! Bela história :)
Grande beijooooooooooooo e bom Domingo :D
Oi querida,
ResponderExcluirTudo bem?
Sabe que sempre tive longos relacionamentos com secretárias, pois sempre vi no encontro uma pessoa que chega com um propósito na vida da gente. Duas delas me acompanharam, uma esteve comigo na minha infância e foi comigo quando casei. E outra quando meu filho nasceu que continua e está sempre perto de mim. Sem transferir responsabilidades, com eventuais problemas na comunicação, mas em perfeita paz e harmonia. São as grandes queridonas da nossa família.
Boa semana!
Adorei conhecer Francisquinha!e como é a vida,as vezes acabamos conhecendo pessoas depois que morrem,mas que da uma vontade de ver em carne e osso,isso dá!pois pelo que percebi era uma pessoa por demais hilaria tambem,sem deboches,só o jeito humoristico de levar a vida!encantador o texto,de um jeito bem legal de ler!bjs!
ResponderExcluirFiquei com dó, no final. Mas ela encontrou, por 5 anos, um lar. Vejo assim, porque era bem tratada e não sofria humilhações. Por pouco tempo, ainda teve a oportunidade de vivenciar um amor. Não pude deixar de rir das panelas, porque já me aconteceu. Quando as pessoas também nos tratam bem, passamos por cima de suas dificuldades, reconhecendo-as. Amei seu texto. Bjs.
ResponderExcluirAh...Que pena dela ter morrido assim...
ResponderExcluirMas lindinha, vim agradecer a visita e comentário no Confissionarium. Melhorou dos braços?
Te desejo uma semana abençoada, cheia de alegrias!
Carinhoso abraço...
Olá querida,
ResponderExcluirA Francisquinha teria me levado à loucura (rsrsrs). A minha
secretária doméstica, que está comigo há mais tempo que o marido, também já aprontou muito por aqui. Até hoje minhas
panelas de teflon passam pelo bom bril, não obstante as advertências. Já desisti (rsrsrs). Vale o custo-benefício.
Hilários os "causos" da Francisquinha! Pena que ela nem teve tempo de curtir o seu amor. A vida sempre nos pregando peça...
Adorei ler.
Beijão.
Olá, Marly.
ResponderExcluirBastante comovente e tocante o seu relato.
Por mais deslocadas que algumas pessoas sejam, sua simpatia e boa vontade podem vir a conquistar qualquer um.
E, pelo que contastes, fizestes uma grande amiga.
Abraço.
Ói Marly;
ResponderExcluirA história da sua Francisquinha dava uma série bem interessante na rede Globo. Adorei, principalmente a forma como escreves.
Obrigada pelos teus escritos, que tanto prazer me dão.
Beijo no coração.
http://miminhosdaidalia@gmail.com
Oi Marly!
ResponderExcluirTudo bem?
Que final surpreendente o da Francisquinha! Mas o que importa é que ela foi feliz, talvez por isso desencarnou. Acredito que tanto o excesso de tristeza, como o de felicidade extrema pode originar a morte.
Parabéns pelo conto, minha Mãe Idália Henriques dos blogs http://miminhosdaidalia.blogspot.com e http://falandocomosmeusbotoes.blogspot.com recomendou-me este conto, que eu vim ler com muito gosto. Ela adorou e eu também.
Obrigada pelo comentário no meu blog, eu quando tenho uma ideia que me parece boa, gosto de partilhar com amigos. Acho que temos de fazer um update a nós próprias e acompanhar os tempos.
Um beijo,
Cris Henriques
http://oqueomeucoracaodiz.blogspot.com