Estava sentada em uma sorveteria em Caldas Novas, espairecendo um pouco as idéias, para voltar e continuar a trabalhar em minha dissertação, quando entra um casal e mais uma moça. Pareceu uma família. Eu sou do tipo que se estou andando ou preocupada com algo, não presto atenção em nada, mas se estou tranqüila eu noto detalhes, sondo as emoções e ações das pessoas.
A mãe e a filha foram pedir o sorvete e o homem sentou numa mesa próxima. Olhei disfarçadamente para ele, chamou atenção a cor café da pele com os olhos azuis como um céu sem nuvens. Ele colocou a mão direita apoiando o queixo e notei que faltava um pedaço do dedo indicador... Comecei a ficar inquieta! A mulher vira para ele e diz: “Adão, você quer sorvete de pequi?” Gelei! Adão???
Voltei no tempo, quando tinha 4 anos e revivi em instantes a dor, medo e culpa que eu por muitos anos carreguei, até conseguir jogar no esquecimento tudo que aconteceu.
Eu era uma garotinha introspectiva, embora falante. Gostava da solidão e dos meus amigos imaginários e não aceitava intromissão no meu mundo. O caseiro de meu pai tinha um filho, um pouquinho mais velho que eu e insistia em se enturmar à força. Adão era da cor café e olhos tão azuis que dava medo. E foi num dessas intromissões que tudo aconteceu.
Eu usava para quebrar coco uma rocha que havia no quintal e uma peça quebrada de carro. Bem pesada, e eu tinha que fazer esforços supremos para conseguir levantá-la e o coco era esmigalhado, pois o peso era muito. Mas, valia já que ninguém tinha tempo para quebrá-los para mim.
Lá estava eu tentando quebrar um coco! Colocava-o sobre a pedra, pegava a peça de ferro e quando ia levantando-a, o menino-café tirava o meu coco e colocava um dele para eu quebrá-lo. E é claro que eu não quebrava. Abaixava a peça de ferro, tirava o coco dele e novamente colocava o meu... E quando ia levantado o ferro, ele retirava o meu coco e colocava o dele. E tudo se repetia de novo. Na quarta ou quinta vez que isso ocorreu, eu lancei a sentença: “Se mexer no meu coco de novo, vai se arrepender!” E ele mexeu. Tirou o meu coco e quando ia colocando o dele eu desci o ferro com força...
Lembro apenas de uma mãozinha esbagaçada na pedra, ele gritando que eu havia arrancado o dedo dele. Ainda tenho na mente os olhares de raiva sobre mim(ou eu via os olhares desse modo) mas mesmo assim eu ia à casa dele levar bolo, farelo de castanha de coco( já que eu não controlava a força e quando ia quebra-lo, esmigalhava tudo). Passei muito tempo lembrando da maldade que fiz e sinceramente sempre tive na lembrança que havia arrancado a mão dele. Eles foram embora da fazenda pouco tempo depois, e sempre associei a partida deles com o fato.
Minha mãe me disse a uns anos atrás que foi um pedaço do dedo indicador (pensava que fosse a mão...), e isso me trouxe certo alívio, afinal a mão tem cinco dedos.
Agora eu estava vendo (um velho rsrsrsrs) cor de café, com olhos azuis e um indicador pela metade, e com nome Adão... Será que devo falar com ele ou não? Que dúvida! Ainda me pesa o que ocorreu, mas acho que é hora de resolver isso. Só preciso ter jeitinho ao falar, ser sutil e sondar.
Levantei e fui até onde estavam os três e disse num só fôlego:
- Boa tarde, meu nome é Marly, filha do David de Bastos e penso que fiz isso no seu dedo! (Aff que sutileza heim?).
Ele levantou e disse:
- Não acredito! Você é a garotinha que quebrou o meu coco e dedo ao mesmo tempo?
- Pois é... Estava olhando vocês quando entraram, e me chamou atenção a sua cor de pele e olhos e a da sua filha. Depois falaram seu nome e eu olhei a mão... Foi um pedaço razoável de dedo.
- Já aprendi a viver sem ele, afinal tem mais de quatro décadas isso não é? - Olhou para o cotoco de dedo e sorriu.
- Sim tem, mas em nome da minha infância, da minha introspecção, do meu mundo particular, da minha falta de senso, gostaria de pedir perdão pelo que te fiz.
- Perdoada a mutos anos! E se está sozinha eu e minha família te convidamos pra jantar lá em casa amanhã, pois assim podemos colocar o papo em dia! Embora, me lembro bem de que você nunca me deu chance de papo algum quando tinha quatro anos.
Agradeci, mas disse que não poderia ir, tinha trabalho a fazer e o tempo já se esgotava. Despedi com um abraço em cada membro da família e saí dali mais aliviada, mais leve! E sinceramente nem imaginava que isso ainda me pesava. Agora estou leve! Ao menos quanto a essa bagagem que carreguei por tantos anos.
Marly Bastos
Lembro apenas de uma mãozinha esbagaçada na pedra, ele gritando que eu havia arrancado o dedo dele. Ainda tenho na mente os olhares de raiva sobre mim(ou eu via os olhares desse modo) mas mesmo assim eu ia à casa dele levar bolo, farelo de castanha de coco( já que eu não controlava a força e quando ia quebra-lo, esmigalhava tudo). Passei muito tempo lembrando da maldade que fiz e sinceramente sempre tive na lembrança que havia arrancado a mão dele. Eles foram embora da fazenda pouco tempo depois, e sempre associei a partida deles com o fato.
Minha mãe me disse a uns anos atrás que foi um pedaço do dedo indicador (pensava que fosse a mão...), e isso me trouxe certo alívio, afinal a mão tem cinco dedos.
Agora eu estava vendo (um velho rsrsrsrs) cor de café, com olhos azuis e um indicador pela metade, e com nome Adão... Será que devo falar com ele ou não? Que dúvida! Ainda me pesa o que ocorreu, mas acho que é hora de resolver isso. Só preciso ter jeitinho ao falar, ser sutil e sondar.
Levantei e fui até onde estavam os três e disse num só fôlego:
- Boa tarde, meu nome é Marly, filha do David de Bastos e penso que fiz isso no seu dedo! (Aff que sutileza heim?).
Ele levantou e disse:
- Não acredito! Você é a garotinha que quebrou o meu coco e dedo ao mesmo tempo?
- Pois é... Estava olhando vocês quando entraram, e me chamou atenção a sua cor de pele e olhos e a da sua filha. Depois falaram seu nome e eu olhei a mão... Foi um pedaço razoável de dedo.
- Já aprendi a viver sem ele, afinal tem mais de quatro décadas isso não é? - Olhou para o cotoco de dedo e sorriu.
- Sim tem, mas em nome da minha infância, da minha introspecção, do meu mundo particular, da minha falta de senso, gostaria de pedir perdão pelo que te fiz.
- Perdoada a mutos anos! E se está sozinha eu e minha família te convidamos pra jantar lá em casa amanhã, pois assim podemos colocar o papo em dia! Embora, me lembro bem de que você nunca me deu chance de papo algum quando tinha quatro anos.
Agradeci, mas disse que não poderia ir, tinha trabalho a fazer e o tempo já se esgotava. Despedi com um abraço em cada membro da família e saí dali mais aliviada, mais leve! E sinceramente nem imaginava que isso ainda me pesava. Agora estou leve! Ao menos quanto a essa bagagem que carreguei por tantos anos.
Marly Bastos
Marly, apesar das "férias" não resisti a vontade e a saudade de ler suas postagens. Passei por aqui e fiquei preso no texto. Que coincidência legal! Muito bom porque aliviou o coração da amiga.
ResponderExcluirNada como resolver essas coisas "penduradas" em nossas lembranças, não é?
Dia desses fiz o mesmo, em situação diferente e senti o mesmo alívio. Não vou contar aqui porque fica muito extenso e... estou em "férias", né?
Beijo com doce carinho.
Manoel.
Ai minha querida que rico que está de volta, espero que esteja tudo bem. Sua postagem incrível e tudo a ver com o perdão/pecado da minha postagem. Podem passar os anos que o que precisa de ser consertado sempre volta. É Deus nos dando oportunidades de se redimir ainda que para uma menina de 4 anos não tinha tanta culpa assim pois era apenas uma criança. Mas Deus sabe o que havia em seu coração todo esse tempo. Adorei a sua volta, te adoro miga. bjim.
ResponderExcluirAlguns fatos são, aparentemente, esquecidos, tanto pelo que representaram quanto pelo tempo decorrido, desde então. De repente, do nada, estão à nossa frente, de olhos arregalados, trazendo tudo de volta. Quando a oportunidade favorece uma troca de palavras satisfatórias, já nem precisam retornar ao baú. Ficam gravados com outra cor, clara, viva e nada assustadora.
ResponderExcluirBjs.
Boa noite minha querida Marly. Se esse texto não foi fruto da tua imaginação fértil, minha nossa, que coisa... mas será que aconteceu mesmo? reencontrar alguém depois de 40 anos? De qualquer forma foi uma leitura muito gostosa. Um grande beijo nesse coração maravilhoso. Te cuida GURIA. FIQUE COM DEUS.
ResponderExcluirPuxa, Marly!
ResponderExcluirSão as voltas que a vida dá. Que bom que você o reencontrou e pode aliviar essa sensação de culpa que, na verdade, não existia. Afinal, vocês eram crianças e ainda sem o poder de avaliar as consequências de uma atitude impulsiva.
Mundo pequeno, não?
Beijokas, queridona.
As suas memórias trazem ao leitor uma menina saudável e arteira :)) Um abraço, Yayá.
ResponderExcluirCaraca! Menos um peso na mochila pra carregar o peso do Mestrado. Que bom! Menos um problema na gaveta.
ResponderExcluirUm beijo grande
Bom dia,Marly!!
ResponderExcluirQue delicia de texto querida!!!Nossa...imagino a surpresa!!!Mas realmente estas coisas pesam em nós...deve ser a consciência...rsrsrs
Que bom poder se libertar...abandonar os fantasmas do passado...Parabéns!!!
Beijos!Tudo de bom.
É assustadoramente interessante como o passado volta a tona bem em frente ao olhar, de uma maneira mágica, e talvez até, pra que todo o peso de uma consciência fosse retirado,,,pena, não ter tido tempo ao tal jantar, poderiam ter revivido muitas outras coisas...beijos de bom dia pra ti amiga...
ResponderExcluiro meu comentário a este seu post está dentro de mim...
ResponderExcluirleia-o, Marly.
bj...nho
Poeta Marly
ResponderExcluirNa hora me assustei
Estava fazendo uma experiência
Com o vídeo
Mostrando para uma pessoa
Acabei postando no meu blog
É minha música preferida
O enredo é a vida de Syd Barret
O primeiro que deixou o grupo
Mas amo os teclados do Richard
Wright
Tuas palavras foram enigmáticas
Para mim
Muito belas
E as guardei no coração
Elas apareceram
E eu não deletei mais o vídeo
Grato
Sei que não sou ainda
Um poeta
Mas luto todo dias de sol
Todas as noites de luas
E estrelas
Ainda não sei voar
Por que sequer me tornei pássaro
Ainda sou um homem comum
Converso com as estrelas
Mas meu mundo é imanente
Nada de muito transcendente
Minha metafísica é da Terra
Minhas fases da lua
Sou Telúrico
Existencial
A vagar solitariamente
Pelo ocidente
Escutando Pink Floyd
João Gilberto
Um net book na mão
Um verso manuscrito no
Pulso
Um impulso de viver
E sonhar
Um amigo violão
E aja solidão boa.
Mui grato pelos versos...
Espero que esteja tao.
Reverências poéticas.
Volto logo
para falar mais de literatura
e dos teus textos
Luiz Alfredo – não poeta.
fabuloso, un saludo desde Barcelona y esperamos tus comentarios en "o noso blog" , moites gracies.
ResponderExcluirNossa... Eu achei que tratava-se de um conto em forma de monólogo e não um fato ocorrido de verdade.
ResponderExcluirÉ estranho como, por vezes, sentimos algo errado dentro de nós e não sabemos o porque, talvez seja a mente que nos defende, nos bloqueia, contanto, não nos pode aliviar do passado.
O seu passado retornou para um tipo de redenção que talvez sua alma estivesse precisando e não posso sentir, mas imaginar o alívio que sentiu depois de tudo.
Muito obrigada pela sua presença carinhosa em minha comemoração, Marly.
ResponderExcluirPostei a segunda parte da brincadeira das palavras, você está lá no meu post, dê uma olhadinha nele, o "Véspera de festa..."
Ainda postarei a descrição do seu blog que é a primeira parte da brincadeira,estou seguindo a ordem dos comnentários deixados, mas gostaria que lesses o agradecimento que te faço lá.
Volto com tempo e calma pra ler seu texto, adoro o que você escreve
Um beijinho
Mas esta foi uma revisitação de perdão e de um abraço reconfortante!
ResponderExcluirTudo sarou agora!
Já se pode sorrir de novo.
Oi Marlizinha!!!
ResponderExcluirQ
estava lendo a sua história e pensando aqui comigo quantas delas cada um de nós levamos?
Quantos sentimentos de culpa desnecessários;
As vezes é muito mais facil perdoar ao outro do que a nós mesmos.
Achei muito bacana vc dividir este pedaço da sua historia conosco.
Que bom que vc ficou mais leve. a culpa as vezes é totalmente desnecessária.
Te deixo os parabéns pelo seu texto 9 cronica 0 tão bem escrita e o meu beijo carinhoso!!!
Tu arrancou o dedo do Adão mesmo? Caramba. Conheci teu blog hoje. Serei seguidor e leitor assíduo. Visite o meu... http://ressureicao-rr.blogspot.com/ beijo pra voCÊ. RR
ResponderExcluirAmiga, as pessoas sábias conseguem sempre tirar proveito de todos os tempos passados. Muito belo texto... Abraços
ResponderExcluirA vida
ResponderExcluiràs vezes dá uma chance
e podemos restaurar
alguns maus
que fizemos aos bichos
as pessoas
aos amados(a)
o conto parece um grito primal
mas no final o poema
sempre vale a pena.
Poeta
Abraços poéticos
Lindo Marly, um texto real maravilhoso e devemos sempre perdoar, que bom que vc se sentiu mais aliviada, bonita sua atitude!
ResponderExcluirBj
Olá Marly querida
ResponderExcluirAdoro tuas histórias, me perco em pensamentos, imaginando a cena...
Beijos
Ani
Até eu fiquei mais aliviada, ufa. Tadinho, deve ter sentido uma dor terrível! Ainda bem que não ficaram mágoas.
ResponderExcluirUm abraço! Vou te seguir.
Nossa, que coisa é a vida!
ResponderExcluirTenho certeza que agora, quando vocês se lembrarem um do outro, será com muito mais ternura. Pena que nem sempre dá pra consertar assim!